Obras projetadas por arquitetos reconhecidos sempre atraíram a atenção das pessoas, sobretudo turistas, que de passagem por novas cidades buscam ver, mesmo que rapidamente, o máximo possível do melhor que aqueles lugares têm a oferecer. O fenômeno não é recente, mas com serviços como o Airbnb, que permitem uma breve estadia em residências alugadas, toma outra dimensão.
É o que se vê atualmente no Bairro da Bouça, no Porto, projetado por Álvaro Siza Vieira. Concebido nos anos 1970 como projeto social com a promoção do Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL), o conjunto habitacional projetado como residência fixa de trabalhadores sempre atraiu turistas entusiastas da arquitetura e da obra de Siza, mas nos últimos anos vêm atraindo residentes temporários nas unidades disponibilizadas para aluguel.
"Se isto foi construído para habitação própria com fundos do Estado por que razão está a ser usado para arrendamento?” pergunta Fernando Cardoso, morador do bairro e um dos três administradores do condomínio do conjunto habitacional. A questão revela um incômodo compartilhado por outros residentes sobre os novos usos destes edifícios conquistados através da luta dos trabalhadores. “Isto não é aquilo por que lutei, o bairro era para os moradores", desabafa Orquídea Santos, que reside na Bouça desde que se entregaram as chaves aos moradores.
Em matéria publicada pelo jornal português Público, Mariana Correia Pinto conversa com moradores do bairro e relata suas opiniões sobre as mudanças. Para alguns, a presença dos turistas não gera desconforto apesar de estabelecer um clima menos introvertido e íntimo, como sonhavam alguns dos primeiros moradores. “Havia um sonho de construir um bairro de interajuda, onde todos os vizinhos se conhecessem. E essa identidade perde-se um pouco. Mas os meus filhos ainda brincam nos pátios e no jardim do bairro, às vezes com os filhos dos turistas", diz Henrique Rebelo, morador.
Uma busca no site de aluguel temporário Airbnb registra pelo menos três menções à Bouça, e todas tiram proveito da assinatura do projeto. "Desenhado por Siza Viera", diz um anúncio, "um projeto de referência para os amantes da arte”, mostra outro. Embora gere discórdia entre os condôminos, é preciso reconhecer que as unidades foram disponibilizadas para aluguel pelos próprios moradores, alguns dos quais imigrantes, que, assombrados pelo desemprego, não tinham outra opção além de arrendar o próprio teto para angariar algum dinheiro.
A discussão que aquece as reuniões de condomínio da Bouça é, na realidade, a mesma da cidade. Porto e Lisboa, assim como Berlim há alguns anos, vêm sofrendo profundas mudanças ocorridas homeopaticamente por meio de ações pontuais. Gentrificação é o nome dado a esses processos que, de lote em lote, fazem aumentar os alugueis e em meia década transfiguram bairros inteiros. Nem todos os efeitos são negativos - alguns, inclusive, são bastante benéficos para a cidade - mas é de se prestar atenção que, na Bouça, "as pessoas mais velhas [...] têm receio de deixar as portas abertas."
Referência: Público.